Categoria: Rivista Online - Edizione Settembre 2015

A celebrada obra de Saint- Exupéry permite inúmeras lições e aprendizados, para crianças e para adultos, não necessariamente nessa ordem. Numa das várias e belas passagens da notável obra, o pequeno príncipe chega a um minúsculo mundo onde um acendedor de lampiões tem o poder sobre a noite e o dia, o que lhe parece um bonito ofício, pois é ele que dá luz a flor. 

Alguém com a mesma inocência poderia ter a mesma sensação ao contemplar a magistratura e seu luminoso ofício de irradiar esperanças em um país de dimensões continentais, complexo, de muitas e decantadas potencialidades, mas de injustiças persistentes. Essa admiração pelo ofício jurisdicional cresce à medida que a sociedade desse país deliberadamente transfere todos os seus destinos, seu passado e seu futuro, a um segmento do Estado, não legitimado pelo voto popular, mas por um mandato constitucional assentado no conhecimento técnico.

Acontece que na fábula o pequeno príncipe logo percebe que aquela impressão não corresponde à realidade, visto que o acendedor de lampiões não está espiritualmente convencido da grandeza do seu mister, cumprindo apenas em razão de estar vinculado ao “regulamento”. Os homens da toga do Brasil atual, pelo contrário, estão convencidos da grandeza do seu trabalho, alguns convencidos até demais, todavia acendem a luz da justiça de forma meramente regulamentar, muito compenetrados no fundamento técnico do seu mandato constitucional,  dando ensejos não raramente ao inverso do que se propõem, ocasião em que a claridade se reverte nas pálidas sombras da insegurança jurídica, da impunidade seletiva, do autoritarismo, da ineficiência, da falta de gestão e do privilégio.

Do ponto de vista do direito penal e do direito tributário, por exemplo, para falar de áreas que afetam quotidianamente o cidadão, não é difícil notar que a Justiça pouco tem contribuindo para diminuir a prepotência do poder estatal. A famosa operação que domina o noticiário político-criminal do país, por um lado, inspira-nos a esperança que desta vez as provas sejam produzidas de forma consistente, baseadas em trabalho sólido e não em bravatas e discursinhos, por outro lado, nos atemoriza com leituras mal conduzidas que fomentem um espírito de denuncismo, terror penal, endurecimento e encarceramento descontrolados, que já parecem transparecer no regime de prisões provisórias, desvirtuadamente transformado de exceção em regra.

Não se pode deixar de mencionar que o sistema e não apenas os profissionais têm deixado a desejar. Não é apenas o tecnicismo e a pouca visão de mundo que emperra a Justiça,  questões estruturais relacionadas aos mecanismos processuais tornam o sistema pouco eficiente, como o princípio do acesso à justiça que levado ao extremo tem suscitado clamores por um princípio que corrija exageros e permita ao cidadão sair do processo. O grande Carnelutti,  escreveu um instrutivo livro chamado “como se faz um processo”,  se vivesse em nosso país e em nossa época, certamente o mestre teria motivos para escrever “como se desfaz um processo”.

Em uma das mais belas cenas produzidas pela cinematografia, no filme Amistad, Hopkins, no papel do ex-presidente John Q. Adams reflete que nos tribunais aprendeu, à custa de muita tentativa e erro, que vence quem conta a melhor história. Nas condições atuais, receio que nós não estamos sequer preparados para ouvir as histórias  cada vez mais dramáticas da sociedade brasileira.

 

Edizioni 2015